Traição é traição, romance é romance…

“Amor é amor e um lance é um lance” já dizia o famoso funk carioca.
     Às vezes, no entanto – seja na vida real, seja na ficção –, o limite entre traição, romance, amor e um lance são completamente fluidos. Amor líquido, Bauman diria. Pós-modernismo, outros afirmariam. Enquanto isso, diversas autoras aproveitam-se dessa eterna polêmica para emplacar livros com essa narrativa. E como sou uma leitora temática, ou seja, de tempos em tempos me pego imersa em sucessivas leituras sobre um mesmo tema, no texto de hoje irei debater um pouco sobre os últimos livros que li sobre traição… e vingança, são eles: A mulher silenciosa (A.S.A. Harrison), A mulher entre nós (Greer Hendricks e Sarah Pekkanen), A gaiola de ouro (Camilla Läckberg) e Por trás de seus olhos (Sarah Pinborough).
     O bom e velho triângulo amoroso nunca saiu de moda, porém não foi isso que me chamou a atenção nesses quatro livros. Para além das traições e das reviravoltas mirabolantes (umas mais, outras não tão mirabolantes assim), de maneira consciente ou não, todas as autoras delinearam em suas personagens principais a sombra do mesmo problema que Betty Friedan – considerada uma das feministas mais influentes do século passado – denominou “o problema sem nome”, em seu livro A mística feminina. Livro este que, na esteira do Segundo sexo (de Simone de Beauvoir), ajudou a incitar a segunda onda feminista na década de 1960.
     Nos quatro thrillers citados, as personagens principais são esposas-donas de casa cujas vidas giram em torno do marido (e filhos, em alguns casos) e, conscientemente ou não, desenvolvem um ressentimento que é exacerbado quando são traídas. Betty Friedan, em A mística feminina, explorou a angústia, o ressentimento, a raiva, a ansiedade e até mesmo a depressão que afligia essas mulheres, esposas-donas de casa, da década de 1960. O problema sem nome, como a autora chamava, se dava, justamente, pelo fato de essas mulheres renunciarem a uma vida própria, e consequentemente ao desenvolvimento de suas próprias personalidades, para viverem à sombra de seus maridos e filhos. Ao escolherem (e serem influenciadas a) se dedicar exclusivamente à ocupação “do lar” essas mulheres abdicaram de seus diplomas, de suas carreiras e de qualquer outra ocupação que fosse minimamente estimulante. Nas universidades “surgiu uma nova cadeira para as esposas: ‘Ph.T.’, ou seja, Putting Husband Through – Ajudar o Marido a Passar”. (Adaptado do livro A mística feminina.)
     Impressionantemente, esse é justamente o enredo do livro A gaiola de ouro. O texto-resumo da própria editora (Arqueiro) começa assim: “Jack e Faye começaram a namorar na faculdade: um garoto criado em berço de ouro e uma jovem que se esforçou para enterrar um passado sombrio. Quando ele decide criar uma empresa, ela deixa os estudos e passa a trabalhar de dia, dedicando as noites a traçar a estratégia do novo negócio. A companhia se torna um sucesso bilionário, mas Faye se sente como um lindo pássaro preso numa gaiola, apenas cuidando da filha em casa e sendo exibida pelo marido, que toma todas as decisões da empresa. Jack agora despreza sua inteligência, esquecendo tudo o que ela sacrificou por ele…”
     Tirando o fato de que a maioria das esposas-donas de casa suburbanas não tem um upgrade de vida bilionário (nem se enveredam numa trama vingativa), de resto essa poderia ser mais uma das diversas histórias que Betty Friedan relata em seu livro.
     Ainda sobre A Gaiola de ouro, o livro começa, já de cara, com um fato bombástico que pegará de surpresa os leitores desprevenidos. Eu, fã incurável de thrillers, no momento em que li já me peguei imaginando o desfecho da história. Dali, somente duas linhas narrativas eram possíveis: ou a esposa era extremamente transtornada e cruel ou bastante pragmática e metódica. Apostei no segundo caso. E nada mais direi para não soltar spoilers. Quem já leu me diga se eu estava correta ou não. 😉
     Os livros A Gaiola de ouro e A mulher entre nós exploram bastante a narrativa de como uma mulher pode se transformar em prol de seu marido. A abdicação, a baixa autoestima, as constantes reprimendas vindas do marido e de si próprias, ilustram a imagem de mulheres sem personalidade própria e que, na ficção, só se autodescobrem novamente através da vingança.
     Nos outros livros, a única esposa que ainda mantinha algum tipo de ocupação era Jodi de A mulher silenciosa. A personagem ainda trabalhava como psicoterapeuta, porém seu escritório era em casa e ela atendia apenas dois pacientes por dia, o resto de seu tempo era dedicado ao lar. Quando o marido a troca por uma mulher com a metade de sua idade, aí seu mundo cai por terra. E a vingança é a única tábua de salvação que poderá manter seu estilo de vida.
     And last but not least: Por trás de seus olhos. Deixei o melhor para o final, é claro.
     Se todos os livros anteriores – por mais interessantes que fossem (e foram!) suas histórias e plot twist – mereceram a classificação 4⭐, o thriller Por trás de seus olhos, definitivamente, merece a nota 5⭐. Um Thriller com T maiúsculo, digno da insígnia. Sim, podem acreditar que minha empolgação com esse livro é real, visto que é o primeiro que dou a nota máxima dentre os que já comentei por aqui no blog.
     A premissa do livro é um tanto quanto normal: Louise – mulher, mãe solteira, presa na rotina casa-trabalho – fica com um cara num bar, numa das suas raras noites livres, e acaba descobrindo, no dia seguinte, que o cara é seu novo e casadíssimo chefe; sem querer querendo Louise acaba se envolvendo com seu chefe e se tornando amiga da esposa do seu amante (WTF, Louise?!?). Como não poderia faltar, o livro também explora o ponto de vista da esposa-dona de casa traída.
     Mas o que parecia ser mais uma leitura do gênero triângulo-amoroso-que-vai-dar-xabu, a partir da metade do livro, mais ou menos, inicia-se uma guinada completamente inesperada. E somente após terminar a leitura e começar a escrever esse texto é que eu, finalmente, compreendi o porquê da editora (Intrínseca) ter sido tão pouco elucidativa em seu texto-resumo do livro: é impossível descrever a originalidade da história sem dar spoilers dos seus plot twists (sim, no plural!). Enfim, não tenho como convencê-los, objetivamente, de ler esse livro, apenas digo: LEIAM! 💟
     Enfim, é isso. Esse texto ficou bem grandinho, mas, afinal, é difícil escrever um texto curto sobre três livros muito bons e um quarto excelente – e ainda de quebra mencionar um quinto livro excelentíssimo que é A mística feminina – sem me alongar um tanto. No momento, estou no comecinho de dois livros que têm potencial para se enquadrarem nessa postagem: A mulher do meu marido e Você nasceu para isso. Veremos como essas leituras se desenrolam e, se for o caso de merecerem nota 5⭐, avisarei vocês por aqui.

CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS:
A mulher silenciosa ★ ★ ★ ★
A mulher entre nós ★ ★ ★ ★
A gaiola de ouro ★ ★ ★ ★
Por trás de seus olhos ★ ★ ★ ★ ★

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